Ventania

Pai, tira de mim o amor e as promessas dessas mulheres! Me deixa meio à luxuria em seu estado puro e não olha pra trás, não quero ser salvo!
A chuva cai fina lá fora, e parece que toda a minha vida também, pedaço por pedaço, como se nada restasse do que nunca esteve lá.
Pela janela eu observo, torpe, inerte. Suavemente desesperado, afogando em um mar de lágrimas já secas.
Sinto minha pele em carne viva, como quem olha um braço recentemente decepado. Incrédulo. Derrotado. Impotente. Imerso em chagas, definido por um passado que nunca existiu.
Esquente a água sem deixar ferver, pai, e então, você entenderá do que falo.
A febre delirante, a certeza dos amantes cegos, a chuva levou.
O gosto amargo, pai... o gosto amargo da boca dela é que a chuva se esquece. O gosto amargo do desejo, da rejeição, isso tudo a chuva não molha.
A vida ficou lá fora, e nessa casa não entra mais. Sou um mero expectador de uma peça que eu mesmo escrevi, amarrado à cadeira, de olhos bem abertos, agonizando a cada hora em que meu personagem deveria entrar em cena.
Que venha a dor, que venha o sofrimento, mas eu preciso sentir algo, Pai! Se nada foi de verdade, então, o que será?!
Eu queria a morte nos lábios dela, e foi exatamente isso que ela me deu. Eu cai fraco, de joelhos, numa intimidade mais que incômoda com a dor e a loucura. Eu morri de amor mas continuei aqui pra contar a história.
Meu vício, minha ruína...
Pai, devolve pra mim esse cálice!



*Devidos créditos a Humberto Gessinger e Chico Buarque pelos trechos "Esquente a água sem deixar ferver" e " "Pai, devolve pra mim esse cálice.", respectivamente modificados das músicas "Ilex Paraguaienses" e "Cálice".


http://letras.terra.com.br/engenheiros-do-hawaii/89031/
http://letras.terra.com.br/chico-buarque/45121/

Quem quiser sentir melhor o texto, leia ouvindo isso aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=pk0dPtT4kLo





Toda a licença poética do mundo pra Marizinha aqui, ok?